quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Mestrando com a Teoria da Literatura II

Alguns autores, desde Pirandello (Seis personagens à procura de um autor), Ítalo Calvino (com sua trilogia sobre o personagem: O Cavaleiro Inexistente, o Barão Em Cima da Árvore, e o Visconde Partido ao Meio), a João Gilberto Noll (o mais legal é o A Céu Aberto, mas vários outros livros dele também dialogam sobre isso) adoram questionar a própria teoria da literatura, com livros que desafiam conceitos há muito estabelecidos. O personagem, no RPG e na literatura, certamente é um dos pontos-chaves de qualquer estória, e sua conceituação e definição sempre foram um aspecto relativamente fácil para o leitor, mesmo o leigo, perceber.
No RPG, da mesma forma, é facilmente definido uma personagem, como aquela pessoa (não necessariamente humana) da estória que participa direta ou indiretamente dos fatos que a envolvem. No Hobby, temos dois tipos de personagens: O Personagem do Jogador e o Personagem do Mestre, ou Personagem Não Jogador. A definição então de personagem no RPG se baseia em quem o interpreta. Isso seria então um conceito fácil e bem-definido. Mas se um mestre, de repente, tivesse um lampejo de inspiração, e como Pirandello, Calvino ou Noll, resolvesse alterar tudo isso?
Como assim? Simples. Quem definiu que no RPG, obrigatoriamente, o personagem do jogador o é o tempo todo. Que tal variar essa definição, seguindo as sugestões abaixo:
- O Jogador interpretando o Personagem do Mestre: uma brincadeira relativamente antiga, colocar o jogador para interpretar um personagem que não foi ele que criou, e nem escolheu para jogar. Imagine uma cena que passa na aventura, e que seria interessante para os jogadores que tomassem conhecimento dela. O mestre poderia simplesmente narrá-la como se os jogadores a observassem de longe, ou então, envolvê-los. Enquanto o grupo de aventureiros se reúne na taverna, um massacre numa vila ao lado ocorre. O Mestre, ao invés de descrever a matança, transforma os jogadores em vítimas desse episódio, deixando seus personagens originais momentaneamente de lado. Um se torna o ferreiro da vila, outro uma dona-de-casa, outra uma criança. Dependendo, dá até para colocar um como o vira-lata que observa tudo. E eles correm, tentam se esconder, mas são vitimizados por aquele terrível mal que assola a vila. Nessa descrição, caso seja desejo do mestre, nem precisa descrever exatamente qual é o mal, ou vilão. Pode ser colocado um ar de mistério na descrição para que os jogadores saibam que possuem informações, mas não todas. Na seqüência, o Mestre pode voltar à taverna, onde os jogadores sentirão o alívio de voltarem a jogar com seus personagens, e não estarem sendo brutalmente mortos. Esse estilo de narrativa também provoca certo medo nos jogadores, principalmente se eles perceberem que o mal que eles caçarão é algo terrível.
- O Jogador se torna o Mestre: esse estilo é mais adequado para quem tem um jogador no grupo com habilidades para mestrar. No meio do jogo, em uma determinada cena, passe o direito de mestrá-la para um dos jogadores. Naquela cena, o jogador se torna o mestre, podendo definir coisas e situações para os demais jogadores. O antigo Mestre, enquanto isso, pode interpretar outro personagem ou então ficar observando o desenrolar da situação, como um árbitro que só se envolve quando algo sai muito do esperado. O tipo de cena deve ser bem escolhido, pois o novo mestre pode acabar estragando alguma coisa do enredo já arquitetada pelo anterior. Cenas simples de proezas físicas, como escaladas, escavações, corridas, e combates cotidianos, sem importância crucial a trama são bons exemplos desse tipo de cena.
- O jogador se torna o Mestre II: outra hipótese me veio à cabeça quando mestrava para um grupo que possuía um jogador iniciante. O personagem desse jogador havia presenciado um assassinato, e ao relatar o que viu aos outros personagens, acrescentou detalhes que não foram ditos por mim, como a enorme tatuagem de dragão que havia na testa do assassino. Eu achei interessante na hora, porque o jogador iniciante, ao ver que eu, como mestre, poderia criar o que bem quisesse na estória, teve a impressão que também poderia, posto que nós dois estávamos jogando o mesmo jogo. Ele não entendia que o RPG era um jogo onde certo tipo de jogador tinha “poderes maiores” que os demais. Obviamente, absorvi a descrição dele ao jogo, e uma grande parte da descrição dos vilões daquela sessão passaram a ficar totalmente a cargo dele, me cabendo apenas dar um panorama geral do antagonista.
- O Jogador vira o Vilão: cara, essa é apenas uma idéia e, confesso, ainda não foi testada por mim. Mas com certeza será numa próxima aventura. Imagine a cena: os personagens dos jogadores vêem um grupo de orcs e correm em sua direção, com armas na mão, cargando... e de repente, buummmm! Você, mestre, passa o controle dos orcs para eles, e passa a controlar seus personagens como se fossem os vilões. É interessante você preparar bem isso, e dar a cada jogador até uma ficha de personagem, que seja resumida, sobre o orc que está interpretando. Isso com certeza dará até uma motivada maior nos jogadores a interpretarem o seres acéfalos. Os jogadores conseguirão atacar seus personagens sem dó ou piedade? Para “sacanear o amigo”, eles darão preferência em atacar um determinado personagem, ou atacarão qualquer um? Eles conseguirão interpretar bem monstros assim? Será que os jogadores conseguem perceber a barbariedade das suas ações, posto que os orcs nada fizeram para merecer o ataque. Tudo isso são variáveis que podem valer pontos preciosos, sejam heróicos ou de experiência.
Mais alguma idéia?

2 comentários:

  1. Retribuindo a visita ;)
    Acredito que até Abril o TRPG saia.
    Curtí as ideias, principalmente as duas últimas que podem dar problemas se o jogador se esquecer do papel dele.

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  2. muito bom as ideias virei fã dessa coluna e se puder passa lá no www.falandoderpg.blogspot.com

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