segunda-feira, 21 de junho de 2010

Doze Regras para se Traduzir RPG, e outros textos


"Poesia é o que se perde na tradução." Robert Frost

Já trabalho com tradução e revisão textual há mais de dez anos, apesar de ter relativamente pouco tempo que o faço de forma profissional. Apesar da experiência ainda não muito grande profissional (estou terminando o terceiro livro a ser publicado), acredito que tanto tempo a serviço da tradução/revisão me permitem fornecer algumas dicas para tradutores amadores e profissionais que lutam para traduzir textos, seja para publicação, ou para seus jogos caseiros de RPG (coisa que eu faço muito):

Primeira regra: dedique-se profundamente. A tradução é um serviço de pesquisa, e vai exigir que você pesquise, pesquise e, ao acabar, pesquise mais um pouco. Esta primeira regra, na verdade, abrange todas as demais, e por isso as precede. Grande parte dos erros de tradução ocorre devido a pouca profundidade do tradutor na pesquisa. E isso pode ser percebido nas próximas dicas.

Segunda Regra:
pesquise em uma boa fonte bibliográfica. É importante ter uma boa fonte bibliográfica. Quando traduzo, utilizo 3 dicionários de inglês (sendo um bem completo de inglês-inglês, Longman, e os demais inglês-português), além do site Wordswarm (http://www.wordswarm.net/), que me fornece imediatamente 15 dicionários em inglês-inglês. Utilizo também um bom dicionário de português (ABL), uma gramática do português excelente (a melhor de todas, do Celso Cunha e Lindley Cintra) e uma atualizada com as novas regras, mas não tão boa (do Sacconi), um dicionário de phrasal verbs do inglês (Longman, of course), e um programa chamado DICMAXI Michaelis, que me fornece cinco dicionários (de inglês, francês, alemão, espanhol e português). Se você somar, tenho aí 27 fontes de consulta, e por isso que para se traduzir não se pode ter preguiça: se necessário for, consulto as 27, e no último caso, a internet de forma geral se não consegui matar a charada. Expressões, coisas pop como programas de TV, atores, etc, que não figuram em dicionários, sempre são difíceis de traduzir, e ferramentas como a Wikipedia podem te fornecer de forma rápida uma resposta para uma pulga que insistia em permanecer atrás da orelha.

Terceira Regra: Sim, é um phrasal verb. A maioria dos verbos que possui uma preposição na seqüência (seja na sua seqüencia imediata, ou com uma palavra intermediando o verbo e a preposição) é um phrasal verb. A língua inglesa possui muitos deles. E phrasal verbs podem possuir significados totalmente diferentes dos verbos que os compõem. Portanto, descubra seu significado, ao invés de traduzir o verbo e a preposição em separado. Isto é um erro grave de tradução, porque algumas vezes vão causar erros grosseiros no texto, e mudanças radicais de sentido das frases. Um bom tradutor, profissional ou não, possui um dicionário de phrasal verbs, pois ele é tão importante quanto o dicionário normal;

Quarta Regra: não se envergonhe de olhar no dicionário. Ele fornece opções melhores do que aquele único significado que você consegue se lembrar quando lê a palavra. Muitas vezes, ao lermos uma palavra, lembramos imediatamente do significado mais comum que ela possui, e traduzimos assim imediatamente. Mas depois, ao se ler, percebemos que há alguma coisa estranha no texto. E, devido à palavra ser aparentemente simples, você não a culpa pelo problema no texto, tentando achar outras respostas. Quando for traduzir qualquer palavra mais simples possível, mas que apresente uma sensação estranha no texto, recorra ao dicionário. Muitas palavras possuem vários significados, e o autor poderia estar pensando em um dos significados que você ainda não conhece (mas que vai conhecer, porque traduzir é aprender).

Quinta regra:
cuidado com falsos cognatos. Essa regra é bem próxima da anterior. Nem toda palavra que soa parecida com uma em português possui o mesmo significado. Por isso, é importante novamente se consultar os dicionários sempre. Caso contrário, você pode acabar criando verdadeiras falácias textuais.

Sexta regra (e uma das mais importantes):
mais importante que saber o idioma que se está traduzindo é saber o português. O processo de tradução significa tornar algo que está escrito em inglês (ou outro idioma) para o português (ou outro idioma). Não basta conhecer apenas um destes idiomas, mas os dois. Portanto, se você não se garante nos seu português, terá dificuldade em traduzir outros idiomas para essa língua, mesmo sabendo muito o outro. O processo de decodificação necessita que seu operário conheça os dois códigos lingüísticos, ou o trabalho certamente não ficará bom.

Sétima Regra: leia e releia: uma coisa que aprendi com outro tradutor, que me deu toques bem bacanas (valeu, Guilherme Svaldi), foi a importância da revisão do próprio trabalho. Depois de traduzir um texto, se afaste dele por um mês. Um mês depois, leia o que você fez. Você terá se “descontaminado” do texto, e estará lendo ele como um leitor que não o traduziu. Você perceberá claramente quais foram os seus erros, e o que você escreveu que não soa muito bem, ou que pareceu estranho. A partir daí, você revisará seu texto, tornando mais “digerível” ao leitor comum.

Oitava regra: seja coerente, ou crie um Frankenstein. Se você traduz uma palavra ou expressão de certa maneira, e mais a frente a traduz de outra forma, você estará complicando demais o entendimento de quem lê sua obra (a não ser, claro, que o leitor também seja um tradutor, e perceba o que você errou). Seja coerente, mantendo a tradução igual de termos. Certa vez comprei um livro traduzido de RPG que podia verificar claramente essa falta de coerência, causada talvez pelos 3 tradutores diferentes no livro (taí uma prática que discordo, apesar de já ter participado de algo assim, justamente por isso. É necessário que haja uma grande interação entre os tradutores, ou que o revisor seja especialmente bom, para que isso dê certo).

Nona regra: o inglês não é o português. São línguas que nasceram de origens distintas e, por isso, possuem regras gramaticais diferentes. Não tente pensar em português quando se lê o inglês, e muito cuidado com as traduções literais. Lembre-se sempre que, ao traduzir, você está produzindo um texto em português, e não em inglês. Logo, deve seguir as regras do português mais adaptáveis ou próximas ao que está escrito em inglês, e não simplesmente transcrever um texto, passando palavra por palavra do inglês para o português. Se isso desse certo, não existia mais tradutor no mundo, posto que existem ferramentas da internet que fazem isso. Pelo amor de deus: substantivos pátrios, que em inglês sempre ficam com letra maiúscula, não permanecem em maiúscula em português.

Décima regra:
a pressa é inimiga da perfeição. Isso é uma regra universal que vale desde o sexo à tradução. Portanto, não se afobe se você estiver demorando demais em determinadas partes do texto. Você deverá sempre, ao traduzir, fazer uma escolha: qualidade ou velocidade? Eu, pelo menos, prefiro optar sempre pela primeira opção, apesar de ter prazos contratuais a cumprir que podem te atrapalhar.

Décima Primeira regra:
lembre-se do profissionalismo: o diploma de Letras não se compra na Padaria. Tem muita gente que não entende o peso de um curso de Letras, principalmente aqueles feitos em uma grande faculdade (no meu caso, a Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais). Muitas pessoas pensam que qualquer pessoa pode traduzir ou revisar textos, e que isso é um trabalho simples e fácil. A grande maldição do “Letrado” é a desvalorização do seu trabalho. Certa vez recebi o pedido de um chefe meu para revisar a monografia dele. Obviamente, disse meu preço para o serviço, e disse conhecer outros revisores profissionais que poderiam fazer um preço mais em conta para ele. Ele não gostou, pensando que eu deveria fazer de graça, e decidiu não revisar nada e entregar do jeito que estava, porque “revisar não era uma coisa tão importante assim” e “qualquer um era capaz de escrever português corretamente”. Depois, veio me falar que deveria ter me ouvido: apesar do trabalho dele estar muito bom, recebeu várias ressalvas quando à inadequação vernacular utilizada no texto. Ou seja, apresentou uma pesquisa com erros de português, algo impensável (pelo menos, penso assim) no ambiente acadêmico.

Décima Segunda regra: humildade. Ter humildade é importante, porque ninguém no mundo sabe tudo. E mesmo um tradutor experiente pode receber críticas sobre a sua tradução, ou receber sugestões muito boas de pessoas menos capacitadas que ele. Por isso, não se deve nunca “magoar” com pessoas que apontam suas falhas, mas sim tentar aprender com elas. Confesso que tive, no início, um pouco de dificuldade de lidar com isso, mas que estou melhorando muito. Afinal, quando alguém te sugere algo (o que não te obriga a aceitar, mas a pensar sobre isso e, se viável, aceitar), acaba de certa forma te aperfeiçoando. Pois não há professor melhor do que nossos erros.